O Instituto Diversas foi criado em 2022 por um grupo de ativistas com décadas de experiência em educação, comunicação e mobilização social por direitos humanos. Embora nossa existência enquanto organização seja recente, nossas trajetórias e lutas são históricas — e nisso reside nossa força institucional enquanto referência informativa, formativa e política na discussão sobre a diversidade dos corpos.
Os projetos, programas e ações do Diversas voltam-se a enfrentar as lógicas preconceituosas – como a gordofobia, o racismo, o machismo, a LGBTQIAP+fobia, o capacitismo e o etarismo –, que oprimem as mulheres e outros grupos sociais cujos direitos são historicamente negados.
Mesclando produção e disseminação de conhecimento, ativismo e incidência política, nossas atividades visam promover transformações para que o direito à vida e ao bem viver sejam assegurados a todas as pessoas, em suas singularidades corporais e em suas variadas vivências, modos de pensar, de se expressar e de amar.
Realizamos diversas iniciativas nos campos da diversidade e inclusão:
Malu Jimenez
Doutora, pós-doutoranda e coordenadora de pesquisas dos Estudos do Corpo Gordo, é uma das pioneiras na denúncia e na produção de conhecimento sobre a gordofobia no Brasil. É autora dos livros Lute Como Uma Gorda e Lute Como Uma Gordinha, voltados à sensibilização social para a mitigação do preconceito contra pessoas gordas. É fundadora e presidente do Diversas.
Rafaela Lima
Jornalista e doutora em Comunicação. Fundou e preside a AIC – Agência de Iniciativas Cidadãs, instituição que desde 1993 atua na educação e na comunicação por direitos e é premiada por entidades como ONU, Unesco, Unicef, ONU Cidades e CEPAL-ONU. É fundadora e associada do Diversas.
Luisa Camargos
Primeira pessoa com Síndrome de Down a se tornar Relações Públicas no Brasil. É autora de artigos nacionais e internacionais, palestrante sobre sociedade inclusiva e protagonista do projeto educativo Inclusive Luisa (da AIC), voltado à sensibilização social em relação ao tema. É colaboradora do Diversas.
Bárbara Pansardi
Jornalista, com especialização em Direitos Humanos e Responsabilidade social e MBA em Gestão da Sustentabilidade. Possui experiência profissional no segundo e no terceiro setores da economia (iniciativa privada e organizações da sociedade civil) e vivência em países como Portugal, Argentina e Estados Unidos, além do Brasil. É bissexual, companheira da Karol e colaboradora do Diversas.
1. O que é gordofobia?
De acordo com Malu Jimenez, pesquisadora, ativista, especialista em gordofobia e presidente do Diversas:
"A gordofobia é uma discriminação que leva à exclusão social e, consequentemente, nega acessibilidade às pessoas gordas. Essa estigmatização é estrutural e cultural, transmitida em muitos e diversos espaços e contextos da sociedade contemporânea. Esse prejulgamento acontece por meio de desvalorização, humilhação, inferiorização, ofensas e restrições aos corpos gordos de modo geral.
A gordofobia está em todos os lugares e é, muitas vezes, disfarçada de preocupação com a saúde, dificultando, dessa forma, seu entendimento e enfrentamento. Sustentada por discursos de poder, de saúde e beleza como geradores de exclusão, existem comportamentos diários que reforçam o preconceito/estigma em relação às pessoas gordas, corroborando os estereótipos que estabelecem situações degradantes e constrangedoras, marginalizando essas pessoas e as excluindo socialmente".
2. Por que discutir a gordofobia?
Disfarçada de cuidado com a saúde, a gordofobia ainda não é encarada como violência estrutural. Entretanto, é importante reconhecer que a gordura tornou-se um marcador social estigmatizante que, junto a outras interseccionalidades (como gênero, raça e sexualidade), também desempenha um papel no acirramento das desigualdades.
As pessoas gordas têm sido alijadas de seu direitos porque seus corpos não “cabem" nos padrões normativos. A acessibilidade é uma questão central: hospitais, escolas, meios de transporte e centros culturais, por exemplo, não estão preparados para receber pessoas gordas — e assim seus direitos à vida, saúde, educação, mobilidade, cultura e lazer, entre outros, são violados.
3. O que significa dizer que a gordofobia é estrutural?
A desvalorização e hostilização de pessoas gordas e seus corpos está disseminada nas múltiplas esferas sociais (escolas, famílias, mídia, mercado de trabalho, serviços de saúde etc.). Elas permeiam as práticas, hábitos e falas de toda a população. Isso significa que não se trata apenas de um preconceito de um indivíduo em relação a outro; trata-se de uma discriminação enraizada em nossas instituições e em nossas subjetividades. Ou seja, podemos disseminar a gordofobia mesmo sem a intenção de fazê-lo.
4. O que são comportamentos gordofóbicos?
São atitudes que promovem a desvalorização, humilhação, inferiorização, ofensas e/ou restrições aos corpos gordos e pessoas gordas.
Quando atribuímos a pessoas gordas características que as inferiorizam, como falta de vaidade, desleixo, preguiça, descontrole e incapacidade, estamos sendo gordofóbicos. É um pré-conceito atribuir esse tipo de juízo negativo às pessoas apenas pelo formato de seus corpos.
Quando associamos magreza à saúde e gordura à doença, também estamos sendo gordofóbicos. Afinal, corpo magro não necessariamente é um indicativo de saúde, assim como corpo gordo não necessariamente representa doença. Ser saudável não é uma condição atrelada ao peso, e sim a múltiplos fatores, que vão da genética, do biotipo e do funcionamento de cada organismo ao contexto econômico e social de cada sujeito.
Por fim, quando usamos expressões como “linda de rosto”, “olho gordo” e “gordice”, estamos igualmente reproduzindo a gordofobia — note que todas essas expressões remetem a algo ruim.
5. Quais são as consequências da gordofobia?
Além do prejuízo simbólico dessa estigmatização, que afeta as relações sociais e também a saúde mental das pessoas gordas, acessos bastante objetivos são obstruídos ou negados. Estamos falando de espaços públicos inaptos a receberam pessoas gordas, mobiliários inadequados, escassez de roupas e itens de consumo apropriados, menor oferta de empregos (tanto pela questão estética quanto pela associação do corpo gordo com problemas de saúde), falta de macas e equipamentos hospitalares para atendimento desse público, acomodações insuficientes para acolherem pessoas gordas em transportes públicos e aviões, carteiras apertadas em escolas e universidades etc.
"Ser uma pessoa gorda em nossa sociedade é perder direitos, direitos até bastante corriqueiros para quem os tem e que, por isso, muitas vezes, passam até despercebidos, como sentar numa cadeira confortável no restaurante, ser tratada com dignidade e humanidade pela equipe médica, usar os transportes públicos com confiança e comodidade. A gordofobia tira todos esses direitos do indivíduo gordo e o culpa por isso."
Está, portanto, muito além dos xingamentos e piadinhas. Gordofobia é uma opressão estrutural e institucional — vai muito além do bullying.
6. Qual é a diferença entre gordofobia e pressão estética?
A pressão estética atinge todas as pessoas: magras, gordas, loiras, morenas, ruivas, negras, brancas, altas, baixas etc. Isso porque a “beleza padrão” é algo inalcançável, conduzindo a um descontentamento generalizado com nossos corpos.
A gordofobia, por sua vez, vitimiza apenas as pessoas gordas que sofrem estruturalmente com o preconceito; é uma discriminação que leva à exclusão social. A negação da acessibilidade que se impõe a esses corpos, associada à patologização do corpo gordo como doente e sua depreciação moral como desleixado, preguiçoso, descontrolado e incapaz, são eixos fundamentais para entendermos a gordofobia.
7. Como a gordofobia se relaciona com outras opressões, como as violências de gênero, raça e classe?
Em função de fatores fisiológicos, psicológicos e culturais, existe uma relação complexa do peso com gênero, raça e nível socioeconômico. As mulheres gordas, negras e pobres são as principais vítimas da gordofobia.
A associação com o gênero é bastante clara. A gordofobia alcança todos os corpos, mas ela atinge com mais força os corpos femininos — maiores alvos da normatização estética.
Sob as perspectivas racial e socioeconômica (intrinsecamente relacionadas na estrutura social), é importante ter em conta que a população negra e pobre é a maior consumidora de alimentos com alto teor calórico e baixo valor nutricional — produtos ultraprocessados, com altos níveis de sódio, açúcares e gorduras saturadas, que costumam ser baratos, e por isso foram amplamente incorporados na dieta das classes menos favorecidas.
A “dieta balanceada” não é, pois, uma escolha para todos, nem tampouco a "prática regular de atividade física" — algo que não se encaixa no cotidiano de muitos brasileiros e brasileiras negras e pobres, que frequentemente não dispõem de espaços adequados em suas vizinhanças ou mesmo de tempo em suas rotinas trabalhadoras.
A fórmula prescritiva do autocuidado com o corpo passa longe do cotidiano da população com menor renda — onde também se observa maior aumento de peso. Somado a isso, pesquisadores ainda apontam efeitos fisiológicos e psicológicos do estresse causado por discriminação racial, que igualmente contribuiria para o aumento de peso.
Ou seja, a interseccionalidade peso, gênero, classe e raça é uma importante lente na discussão sobre violações de direitos humanos e promoção da cidadania.
8. A obesidade não é uma doença? Defender as pessoas gordas não seria promover uma apologia à obesidade, ou ainda, “romantizar a obesidade”?
Pessoas gordas existem e merecem acolhimento e respeito; merecem que seus direitos constitucionais sejam garantidos; merecem não ser subjugadas e estigmatizadas por uma característica física. Trata-se de preservar a dignidade da pessoa humana, direito de todos — e não de qualquer apologia ou romantização da obesidade.